terça-feira, 13 de novembro de 2007

Biblioteca Pessoal: Omar Ben Ibrahim Al-Khayyám


Obra: Rubayiát


No século XI, uma época em que a civilização ocidental se encontrava fragmentada e adormecida, o oriente médio fervilhava como centro de sofisticada produção cultural e científica. Foi nessa época que nasceu em Khorassan, na Pérsia (atual Irã), Omar ben Ibrahim. Quando garoto, foi enviado para estudar o Alcorão e as tradições com o Imam Mowaffak de Nishapur. Lá travou estreita amizade com Hassán ben Sabbáh e Nizam ul Mulik, dois outros alunos brilhantes do Imam. Os três fizeram um juramento entre si: caso um deles alcançasse o sucesso, no futuro, lembraria-se dos outros e compartilharia suas graças.

Ocorreu que, já adultos, Nizam tornou-se vizir durante o sultanato de Alp Arslan, conquistador do Cáucaso. Lembrando-se da promessa feita na infância, os outros dois vieram e tiveram seus pedidos atendidos. Omar pediu apenas um rincão onde pudesse dedicar-se ao estudo e rezar pela prosperidade do vizir. Nizam dedicou-lhe uma pensão de 1200 mithkals de ouro através da qual passou a viver. Hassán pediu um alto cargo administrativo, o qual obteve. Tornou-se, mais tarde, o Velho da Montanha, o líder da Seita dos Assassinos (Hashishin) e mandou apunhalar seu benfeitor.

Com a pensão recebida do tesouro de Nishapur, Omar ben Ibrahim dedicou sua vida a obter todo tipo de conhecimento que fosse possível, tendo se especializado particularmente em Astronomia. Quando o Xá Mulik resolveu reformular o calendário, Omar foi um dos oito sábios indicados para realizar a tarefa. O resultado foi a era Jalali, utilizando um sistema de computação do tempo muito mais preciso do que o calendário Juliano, então empregado no ocidente. Seus estudos de Álgebra são famosos.

Dedicou-se ainda à poesia, tendo realizado composições de quatro versos, dos quais o primeiro, o segundo e o terceiro rimam entre si. Tratava-se de um gênero bastante comum naquela época, e eram chamadas de Rubaiyát. Adotou o Takhallus, ou nome poético, de al-Khayyám, que significa construtor de tendas, profissão que exerceu antes da pensão de Nishapur.

Omar Khayyám era ateu, mas como escreveu Borges “sabia interpretar de um modo ortodoxo as mais árduas passagens do Alcorão, porque todo homem culto é um teólogo, e para sê-lo não é indispensável a fé”.

Sete séculos depois, na Londres do XIX, as Rubaiyát de Omar Khayyám foram vertidas para a língua inglesa por Edward FitzGerald. Essa tradução foi bastante livre, ao ponto de alguns acharem que sequer podemos chamá-la tradução. FitzGerald adicionou ao texto uma cor oriental – ou melhor, a cor que a fantasia ocidental enxergou no oriente – que possivelmente não existe no texto original. Antes dessa edição (de 1859), as Rubaiyát eram uma obra importante; após essa tradução tornaram-se uma obra extraordinária. Vejamos algumas:

Reparai – mil Botões floresceram na Hora
Que nasceu o Dia – e mil jazem na Lama agora:
E esse primeiro Mês do Verão que traz a Rosa
Ainda levará Jamshid e Kaikobad embora.

Pensai nesse surrado Caranvaçarai
Por cujos Arcos Dia entra e Noite sai,
Onde Sultão após Sultão em pompa
Despende sua Hora, ou duas, e se vai.

Ah, Amada, enchei a Taça com a qual limpamos
O HOJE dos futuros Medos e passados Prantos
Amanhã? – Amanhã eu poderei trazer em mim
Ainda mais o peso de mil e setecentos anos.

O estilo pesado e floreado é de FitzGerald. Não sei ler Persa, mas dizem que o estilo de Khayyám é mais limpo e direto. Existe uma tradução para o Português de autoria de Alfredo Braga que está disponível em http://www.alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html. O resultado é tão bonito que quase conseguimos esquecer que a rima original do estilo não foi preservada. Também não entendi qual foi o texto que serviu de base para a tradução, suponho que o original. Eis alguns versos poderosos:

Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.

Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.

Escuta, isto ninguém te contou:
Quando a primeira alba clareou o mundo,
Adão já era uma criatura dolorosa,
que pedia a noite, ansiava a morte.

Deduzo também da tradução de Alfredo Braga que Omar Khayyám era um grande ébrio. Bem, o roto não pode condenar o rasgado.

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