segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Todo castigo pra corno é pouco


Esses dias estava indo jantar com a Lo. Parei para abastecer no caminho, e na entrada do posto de gasolina dei uma maneteada, escorreguei com uma roda pra dentro de uma boca de lobo e PUM! - lá se foi o pneu.


OK, essas coisas acontecem.


Estava chovendo pra cacete e nós estávamos dentro do posto, de maneira que pedi a ajuda de um frentista para trocar o pneu. Prontamente o jovem deu de mão no macaco e começou a girar a manivela: nheco, nheco, nheco. Nesse momento intervi e perquiri se não seria prudente afrouxar os parafusos antes de erguer o auto. Ouvi como resposta que "cada um tem seu jeito de trocar pneu, mas se o sr. quer assim...". Após afrouxar os dito-cujos, o próximo movimento do mancebo foi encaixar o macaco diretamente na lataria do meu carro e começar a girar a manivela novamente. Obviamente me intrometi e solicitei que o encaixe fosse realizado de maneira a levantar o carro, e não destruir a lanternagem. Nessa altura ele admitiu nunca ter trocado um pneu antes. Quem diria, eu nunca imaginaria isso. Mas de qualquer forma, imaginem a felicidade desse profissional, agachado ao pé de um carro numa chuva monumental, com o guids branco todo engraxado e ainda ouvindo pitaco de um mané que nem pra trocar pneu se presta. Pelo menos ganhou R$ 10,00 no final, que depois descobri ser mais do que cobram pra trocar um pneu numa casa especializada.


De lá fui no Chacralino, meu fornecedor oficial, para consertar o pneu danificado. Obviamente o dano era irreparável. Perguntei se não haveria um estepe à venda, um daqueles bons da Robauto. Há? Claro que não há.


Passei dois dias pensando em como economizar no pneu. Aí tive uma grande idéia. Fui no Carrefour e comprei o pneu com Vale Alimentação, pela módica quantia de R$ 279,00. Saí faceiro, com o pneu num carrinho de supermercado. Voltei no Chacralino para fazer a substituição do pneumático. ÓBVIO que eu tinha comprado o pneu errado. Achei que o modelo (P6000) era suficiente, mas descobri que aquele monte de números no lado do pneu NÃO eram o CNPJ da Pirelli. Ó vida. Voltei no Carrefour e depois de encarar uma fila monstro com um pneu debaixo do braço troquei o maledetto por um DVD player e uma porrada de ração de gato.


Aí me rendi. Cheguei à conclusão que ia ter que abrir a mão. Fui no fornecedor oficial Pirelli, a EXCELSIOR PNEUS, compre aqui e pague rodando... a bolsinha. Comprei o pneu, mais a geometria, balanceamento, cambagem, alinhamento, o cazzo. Pela bagatela de R$ 328,00.


Ah. E também descobriram que os amortecedores dianteiros estão vazando. Que delícia!


Saí da Excelsior rodando pela Sertório e percebi que para andar com o carro reto eu precisava ficar com a direção num ângulo de 45o para a esquerda. Voltei pra loja. Alinha a direção, faz a geometria, alinhamento, etc. de novo. Ficou a mesma coisa depois? Claro que não. Porca miséria.


Isso foi na semana passada. Hoje deixei o carro no chapeador por causa de uma batidinha básica que eu dei no mês passado. Fora isso, esse mês eu só vou ter que trocar os amortecedores, a surdina, pagar o IPVA e renovar o seguro. É mole?


Uma última coisa, para vocês se divertirem um pouco mais. Essas são as avaliações feitas por usuários do meu pneu, o PIRELLI P6000 175/60/R14 (nunca mais vou esquecer esses números) conforme o site http://www.ivox.com.br/, seguidos dos meus comentários.


"Sociável e familiar" - poxa, esse é pra casar.

"Bom e bonito" - está melhorando...

"EXCELENTE PERFORMANCE" - Uh lá lá!

"Pneu Multimídia" - será que toca mp3? Malditos coreanos.

"Desgaste alto mas bom em água" - essa é a MINHA definição.

"Bom no seco horrivel no molhado" - ops! e por falar em divergências de opinião...

"Estável, mas caro" - tá caro tudo né?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Próximo!

Hoje experimentei sair clicando nesse botão "Próximo blog" aí em cima. Ao contrário da minha expectativa, infelizmente não achei nada interessante. Basicamente o resultado foi:

1. O blog de um francês dedicado a pregar o ódio ao Islã. Caí várias vezes nesse. Numa das vezes logo a partir do meu blog, o que me deixou envergonhado por estar perto desse cara, mesmo que isso não dependa da minha vontade. Acho impressionante um sujeito ser cristão e não entender a mensagem essencial de Cristo, que é uma mensagem de amor: perdoar, dar a outra face, amar o próprio inimigo. Eu que não sou cristão consigo entender e admirar isso.

2. Vários sites fake que servem para colocar links de putaria. Triste. Nada contra a putaria (D. H. Lawrence vem à cabeça), mas preferia que fosse um blog de putaria verdadeiro e honesto. Do jeito que está, é um bando de aproveitadores sem criatividade explorando uma ferramenta livre para fazer publicidade barata e de mau gosto.

3. Gente que não deixa o botão "Próximo blog" e mela o jogo. Bléééé.

Malditas piranhas!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

O Colar da Pomba: IV - Sobre o Amor à Primeira Vista

Conforme ameacei, segue a tradução do capítulo IV d'O Colar da Pomba. É o texto relevante para o post anterior.

SOBRE O AMOR À PRIMEIRA VISTA

FREQÜENTEMENTE ocorre do Amor achegar-se ao coração como resultado de um único olhar. Essa variedade do Amor é dividida em duas categorias.
A primeira categoria opõe-se àquela que recém descrevemos, sendo aquela na qual um homem perde a cabeça apaixonado por uma mera imagem, sem saber quem a pessoa é, qual seu nome ou onde mora.

Nosso amigo Abu Bakr Muhammad Ibn Ahmad Ibn Ishaq me informou, citando uma fonte de confiança cujo nome me escapa – embora eu creia que fosse o Juiz Ibn al-Hadhadha’ – que o poeta Yusuf Ibn Harun, mais conhecido como al-Ramadi, estava um dia passando pelo Portão dos Perfumistas em Córdova, um lugar onde as mulheres iam para se encontrar, quando espiou uma jovem garota que, como disse, “capturou inteiramente meu coração, de maneira que todo o meu corpo foi penetrado de amor por ela”. Ele então abandonou o caminho da mesquita e passou a segui-la enquanto ela ia na direção da ponte, que então cruzou e dirigiu-se ao lugar conhecido como al-Rabad. Quando ela alcançou os mausoléus dos Banu Marwan (Deus tenha piedade de suas almas!) que estão erigidos sobre as suas sepulturas no cemitério de al-Rabad além do rio, observou que ele andava separadamente das outras pessoas e parecia notar apenas a ela. Caminhou então até ele e disse “Por quê andas atrás de mim?” Ele revelou quão consumido estava por ela, que replicou “Pare com isso! Não me exponha à vergonha; você não tem chance de atingir seu objetivo, e não existe forma de gratificar o seu desejo.” Ele respondeu “Estou satisfeito meramente por olhar a ti”. “Isso lhe é permitido”, ela replicou. Então ele perguntou a ela “Minha dama, és uma mulher livre ou uma escrava?” “Sou uma escrava”, ela respondeu.” “E qual é seu nome?” ele questionou. “Khalwa”, ela disse. “E a quem você pertence?” ele perguntou em seguida. A isso ela retorquiu, “Em nome de Alá, é mais fácil você saber o quê habita o Sétimo Céu do que a resposta dessa pergunta. Não procures o impossível!” “Minha dama”, ele implorou, “Onde posso vê-la novamente?” “Onde me viste hoje”, ela replicou, “à mesma hora, toda sexta-feira.” Então ela adicionou, “Você irá embora agora, ou posso ir eu?” “Por favor vá, com a proteção de Alá!” ele respondeu. Então ela partiu na direção da ponte; e ele não pôde seguí-la, pois ela permaneceu atenta para ver se ele a acompanhava ou não. Quando ela passou o portão da ponte, ele foi atrás dela mas não encontrou nenhum traço. “E por Alá”, disse Abu ‘Umar (querendo dizer, Yusuf Ibn Harun), lembrando-se da história de sua aventura, “passei a frequentar o Portão dos Perfumistas e al-Rabad o tempo todo dali em diante, mas nunca tive nenhuma outra notícia dela. Não sei se os céus a devoraram, o se a terra a engoliu; e o sentimento que tenho em meu coração é mais incandescente que carvões em brasa.” Essa é a Khalwa cujo nome ele celebra em sua poesia de amor. Posteriormente ele teve notícias dela após viajar a Saragossa à sua procura, mas essa é uma longa história.

Esse tipo de coisa acontece com mais freqüência que se imagina; Escrevi um poema sobre esse tema, que cito aqui.

Contra meu coração meu olho urdiu
À minha mente dor e angústia vil,
Qual o pecado que para expiar
Com lágrimas me precisei lavar?

Como pode meu olho encarar
Essas lágrimas que vêm me justiçar,
Vendo que em sua funda torrente
Meu olho triste se afunda totalmente?

Como nunca lhe pude contemplar
Não a reconhecerei quando chegar;
A única coisa que dela sei
Foi o primeiro olhar que lhe mirei.

A segunda categoria do Amor em discussão agora é oposta àquela que descreveremos no capítulo posterior, se Alá assim desejar. Esta se refere ao enamoramento à primeira vista com uma jovem cujo nome, local de moradia e origem são conhecidos. A diferença aqui é a rapidez ou lentidão através da qual o affair acontece. Quando um homem se apaixona à primeira vista, criando uma afeição súbita como resultado de um olhar passageiro, isso prova que ele é volúvel, e proclama que irá também repentinamente esquecer sua aventura romântica; testifica sua volatilidade e inconstância. Mas isso é assim com todas as coisas; quanto mais rápido crescem, mais rápido decaem; enquanto por outro lado o que lentamente se produz lentamente se desfruta.

Um jovem que conheço, o filho de um lojista, foi um dia observado por uma jovem de nobre estirpe, alta posição e estrito isolamento; ela o viu passando, enquanto espiava de sua casa, e afeiçoou-se a ele, sendo correspondida. Eles trocaram por algum tempo cartas, mais delicadas que o fio de uma fina espada; e se não fosse pelo fato de que não é meu propósito nesse ensaio expor tais artifícios e mencionar tais subterfúgios, eu poderia ter descrito aqui coisas tais que estou certo confundiriam os mais argutos e surpreenderiam os mais inteligentes dos homens. Rogo para que Deus em sua grande generosidade estenda sobre todos nós bons Muçulmanos a cortina de Sua compaixão. Ela sem dúvida já basta para nossas necessidades.

domingo, 2 de dezembro de 2007

O Colar da Pomba




Li um texto muito lindo hoje, que achei por acaso navegando por aí. Está no seguinte endereço: http://www.etymonline.com/columns/triskelion.htm. Se alguém não ler em inglês e desejar que eu traduza, é só pedir.


Para quem leu e se interessou, o seguinte link contém uma tradução para o inglês d'O Colar da Pomba: http://www.muslimphilosophy.com/hazm/dove/index.html.


Não existe tradução para o português. Estou brincando com a idéia de traduzir uns pedaços.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Natalie

Esqueci de comentar a melhor parte de Viagem a Darjeeling. Antes do filme principal é apresentado o curta Hotel Chevalier, que serve de prelúdio àquele. Pois bem, nesse curta temos a Natalie Portman como veio ao mundo. Bem, não exatamente. Só de meinha. Em homenagem a isso, posto um poemeto do Lawrence Ferlinghetti, tradução do Peninha publicada em Um Parque de Diversões da Cabeça:

Era um rosto que a escuridão poderia assassinar
                                                                 
                                                                       num instante

uma face fácil de ferir

                                  com riso ou luz

                          "À noite pensamos de outra forma"

                                               disse-me ela certa vez

recostando-se languidamente

                                           E citaria Cocteau

"Sinto que há um anjo em mim" diria

                                                         "que constantemente escandalizo"

                           Então sorriria enigmática

                                  acenderia o cigarro para mim

                                                                        entre suspiros

e erguendo-se alongaria

                                 sua delicada anatomia

                                                          deixando cair uma meia

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Uma coisa muito pequena


Uma vez li a seguinte definição de arte: "A arte é uma coisa muito pequena. Realmente uma coisa pequeninha". Não lembro quem disse isso. Eu às vezes ouço elogios pela minha memória, mas não entendo por quê, eu vivo esquecendo as coisas. Do que eu estava falando mesmo? Ah, do Wes Anderson.


Eu acho que o Wes Anderson faz sempre o mesmo filme. Pronto. Falei. Mas é um raio de filme bonito pra caramba!


Viagem a Darjeeling (The Darjeeling Limited) não é exceção. É o mesmo filme que Bottle Rocket, Rushmore, The Royal Tenenbaums, The Life Aquatic, e até mesmo A Lula e a Baleia do seu cupincha Noah Baumbach. Por que diabos eu gosto tanto desse mesmo filme?


Em primeiro lugar pela irrealidade. Sim, pela irrealidade. A arte pode ser uma mimese mais ou menos literal da vida. Mas eu prefiro quando ela é caricatural, burlesca, exagerada, pois seu significado simbólico fica mais sublinhado. O meu negócio é arte estilizada. Bom, um cara que idolatra o Tom Waits...


Em segundo lugar pelo humor. Os sisudos que me desculpem, mas eu preciso rir da vida. Ainda mais quando as coisas ficam pesadas. E o Wes Anderson é essencialmente um gozador.


Em terceiro lugar pela repetição. A recorrência de temas, de atores, da mesma fonte, da mesma fanfarra, são sempre os mesmos elementos que voltam e voltam. E dentro de cada filme há detalhes explorados à exaustão, como as malas Louis Vuitton com estampas de bichinhos em Viagem a Darjeeling. Existem artistas que são prolíficos, abundantes, que se desdobram em vários como um Fernando Pessoa, e outros que concentram seu foco como um raio laser em repetir a mesma operação, minuciosa e dedicamente, como um João Gilberto trancado no banheiro a inventar a Bossa Nova. Uma linguagem em miniatura, microscópica, delicada, econômica, essencial. Uma coisa pequena. Realmente, uma coisa muito pequeninha.


Pra finalizar, devo dizer que concordo com o crítico que disse: "Os fãs de Wes Anderson irão gostar desse filme". Sim, porque ele já fez o mesmo filme melhor no passado. Para quem não viu nada e quer começar agora, estará melhor servido com Os Excêntricos Tenenbaums ou A Vida Marinha. Para os fãs de plantão, não tenho nada que dizer. Vocês já viram mesmo...






domingo, 25 de novembro de 2007

Viagem a Darjeeling

Hoje vou ver The Darjeeling Limited, o nome filme do Wes Anderson. Minha expectativa está nas nuvens, pois adoro de paixão os filmes dele. Vamos ver o que acontece.

Lendo a sinopse do filme Crimes de Autor (Roman de Gare) no folheto do Unibanco Arteplex encontrei a seguinte frase: "... uma trama repleta de mistérios e farsas, onde nada parece o que é". O clichê não seria "nada é o que parece"? Será que o autor desconhecido dessa sinopse conseguiu a façanha de reatualizar um clichê? Ou será que estou delirando? Não sei. Nada parece o que é, e vice-versa.

sábado, 24 de novembro de 2007

Paper Tigers - Uma tradução de "The Tyger" de William Blake


Apresento humildemente uma tradução original do poema "The Tyger", poema clássico de William Blake. Tentei atingir um certo equilíbrio entre a música da palavra e a força das imagens evocadas, já privilegiadas respectivamente nas traduções de Augusto de Campos e José Paulo Paes, que transcrevo aqui juntamente com o original de Blake. Para quem quer mais informação, sugiro consultar www.blakearchive.org. A iluminura ao lado é de William Blake e foi obtida nessa maravilhosa fonte.

O Tigre

Tigre! Tigre! luminoso açoite
Que arde nas florestas da noite,
Que imortal mão & maestria
Forjaram-te a medonha simetria?

Em que distante abismo e breu
Queimou o fogo desses olhos teus?
Qual o fole que lhe inflamou?
Que mão colher o fogo ousou?

E qual o ombro, & que artesão
Pôde torcer as fibras do teu coração?
E quando primeiro bateu esse coração
Que terrível pé? & que terrível mão?

Qual o martelo? Quem o malha?
O teu cérebro, em que fornalha?
Que bigorna? Que tenaz pôde agarrar
Teus mortais terrores e os pinçar?

Quando como lanças as estrelas desabaram
E com lágrimas o paraíso inundaram
Terá ele contemplado seus trabalhos a sorrir?
Quem fez o Cordeiro fez também a ti?

Tigre! Tigre! luminoso açoite
Que arde nas florestas da noite,
Que imortal mão & maestria
Forjaram-te a medonha simetria?


The Tyger

Tyger! Tyger! Burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare seize the fire?

And what shoulder, & what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart begun to beat,
What dread hand? & what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what dread grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the starts threw down their spears,
And watered heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the lamb made thee?

Tyger! Tyger! Burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?


O Tigre (José Paulo Paes)

Tigre, Tigre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?

Em que abismo ou céu longe ardeu
O fogo dos olhos teus?
Com que asas ousou ele o vôo?
Que mão ousou pegar o fogo?

Que arte & braço pôde então
Torcer-te as fibras do coração?
Quando ele já estava batendo
Que mão e que pé horrendos?

Que cadeia? que martelo,
Que fornalha teve o teu cérebro?
Que bigorna? Que tenaz
Pegou-lhe os horrores mortais?

Quando os astros alancearam
O céu e em pranto o banharam,
Sorriu ele a ver seu feito?
Fez-te quem fez o Cordeiro?

Tigre, Tigre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?


O Tigre (Augusto de Campos)

Tigre! Tigre! brilho, brasa
Que a furna noturna abrasa,
Que olho ou mão armaria
Tua feroz simetria?

Em que céu foi se forjar
O fogo do teu olhar?
Em que asas veio a chama?
Que mão colheu esta flama?

Que força fez retorcer
Em nervos todo teu ser?
E o som do teu coração
De aço, que cor, que ação?

Teu cérebro, quem o malha?
Que martelo? que fornalha
O moldou? que mão, que garra,
Seu terror mortal amarra?

Quando as lanças das estrelas
Cortaram os céus, ao vê-las,
Que as fez sorriu talvez?
Quem fez a ovelha te fez?

Tigre! Tigre! brilho, brasa
Que a furna noturna abrasa,
Que olho ou mão armaria
Tua feroz simetria?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Mitologia Pessoal


A voz de Billie Holiday, delicada e sentida como uma carícia sutil.


Os livros de Borges, esse homem infeliz que fez das palavras um mundo onde a gente pode habitar.


O aroma do narguilé, que me lembra as rosas contempladas pelo Persa.


O caril tailandês, que como a vida contém o fogo da pimenta e o leite do coco.


O computador, máquina assombrosa através da qual minha criatividade faz-se útil para o mundo.


As romãs, o trevo e a azaléia que todo verão me lembram que a vida é também Zoé.


Essa é minha mitologia pessoal, na qual todo dia ciosamente me deixo afundar.

Nostalgia do Presente

- Uma releitura de By The Baby Unborn, de G. K. Chesterton.

Se fossem altas as árvores,
e a grama baixa
como numa estranha ficção.

E inesperadamente encontrássemos
um mar azul
para além do branco grão.

Se um fogo fixo ficasse suspenso
na escuridão
e nos pudesse aquecer.

Se uma densa e verde cabeleira
nascesse
na pedregosa montanha.

Essa hora então seria um mundo, e eu saberia o que fazer.

Música Estranha - Rósin Murphy "Ruby Blue"

Depois que a Róisin Murphy e o Mark Brydon se separaram e o Moloko acabou, em 2003, fiquei órfão.

Logo depois, em 2005, a Róisin Murphy gravou em carreira solo essa PÉROLA do Ruby Blue (eu sei que o título já é um oxímoro, mas não resisti em piorar a situação).

Metade desse disco é a Róisin. Mulher inteligente e sensual, de letras delirantes e presença marcante, ela é antes de tudo uma cantora impecável e extremamente versátil. Parece umas dez mulheres diferentes cantando, e todas maravilhosas.

A outra metade é o Matthew Herbert, que eu não conhecia até então. Inusitado e criativo são palavras tímidas para descrevê-lo. O bandido não utiliza timbres disponíveis de antemão, criando tudo do zero para cada música que produz. O seu manifesto PCCOM (http://www.magicandaccident.com/_MH/pccom.php) descreve com precisão as idéias malucas e brilhantes por trás de seu trabalho. Sua noção rítmica e melódica invertebrada o coloca facilmente do lado de um Tom Zé ou Arrigo Barnabé (e olha que isso não é pouca coisa).

Ornando a suntuosa voz de Róisin Murphy e as intrincadas texturas eletrônicas de Matthew Herbert encontra-se um naipe de sopros completo, que encaixa-se tão bem que parece ter sido inventado para isso.

Segue minhas impressões, faixa por faixa:

1. Leaving the City
A estranheza musical aqui fica por conta da alternância entre texturas desprovidas de freqüências graves e texturas desprovidas de freqüências agudas. A letra é singela, mas qualquer um que passou muito tempo viajando a trabalho é profundamente tocada por ela, não interessando se se trata de um músico ou de um consultor de TI.

2. Sinking Feeling
Aqui Róisin parece um punhado de mulheres diferentes cantando. A letra é cheia de imagens bizarras que parecem saídas de um sonho recém sonhado. A metáfora central da depressão como areia movediça ganha vida nos timbres exóticos criados por Herbert, que parece ter aderido ao princípio #1 de seu PCCOM Turbo Extreme: "Once the subject of the track is established, only sounds directly related to that topic may be used. For example: if the track is about coffee, only sounds made by coffee farmers and their relatives; cups and spoons; milk; colombia etc, may be included."

3. Night of the Dancing Flame
Quando eu cheguei pela primeira vez nessa faixa tomei um susto, pois é aqui que o disco realmente pega fogo. Os trumpetes com surdina à la Vaudeville são inundados por um cardume de sons que parece ter saído de uma usina siderúrgica, um hipnótico baixo pizzicato faz o pé bater involuntariamente e a letra deslinda uma autêntica visão dionisíaca. Música e poesia aqui se juntam dissolvendo as fronteiras entre o orgânico e o metálico, o claro e o escuro, o fogo e o mar profundo.

4. Through Time
Sorry, mas não tenho muita coisa simpática pra dizer dessa faixa. Acho meramente sofrível. Na verdade sempre que o disco chega aqui eu pulo. Quer dizer, pulo a faixa. Vocês entenderam. Mas quem anda de carro comigo sabe que de qualquer maneira dificilmente eu chego no final das músicas (já ouvi muita gracinha por conta dessa).

5. Sow Into You
Música pulsante que dá vida às imagens de fecundação da letra. O clipe é sem dúvida o melhor da Róisin Murphy, que como mulher-inseto termina de polinizar a canção. Momento magnífico do disco.

6. Dear Diary
A introdução é um curso sobre como programar uma bateria eletrônica. A letra corre o risco de desbancar "Ask" dos Smiths como hino dos tímidos.

7. If We're In Love
Teve um dos piores clipes da história, mas é irresistivelmente pop. O refrão gruda de primeira, tipo "Round & Round" do New Order. I we're in love we should make love... when will that be?

8. Ramalama (Bang Bang)
Edição do novo milênio para "Fun for Me". Teria feito furor no meio cultural de Tristan Tzara & cia.

9. Ruby Blue
ISSO é uma guitarra distorcida. Graças a Deus o rock passou longe. Aliás, foi o que disse essa gente: http://www.factmagazine.co.uk/da/64007, embora eles me dêem a impressão de ter ouvido apenas os hits #1 do Moloko.

10. Off On It
Gente, essa música é uma VALSA. Eu demorei a me dar conta, mas aquele resfolegar da Róisin marca o compasso ternário: 1, 2, 3... 1, 2, 3... Dilíça.

11. Prelude to Love in the Making
Esse disco não saiu no Brasil. Eu tive que mandar importar (thanks, Pati & Adri). Saiu CARO. Tudo que é comprado na Inglaterra é CARO. Sério. Mais de cem paus. E essa faixa veio BICHADA. Nunca consegui escutar. Todo corno é azarado.

12. The Closing of the Doors
Musicalmente sofrível, mas a letra parece um adeus sincero e sentido a Mark Brydon. Mas isso é interpretação minha. A canção não chega a ser completamente ruim, mas não é o melhor momento do disco.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Aparição odontológica

Eu e a Cacazinha estamos famosos. Fomos flagrados num momento de descontração total na Late Bar edição Smiths no Ocidente. O melhor é a cara da Cris de "QUEISSO!". Segue o instantâneo e o link: http://www.avoid.com.br/interna.php?cont_id=1306. Acho que finalmente justifiquei o nome dessa revista: AVOID!.

sábado, 17 de novembro de 2007

O bósnio louco conseguiu de novo!


Quando vi o filme Underground - Mentiras de Guerra em 1995, fiquei pasmado, cataléptico, estupificado, flabbergasted - esse filme foi uma epifania para mim e desde então não assisti nenhum outro que o superasse. Uma grande parte dessa magia é garantida pela estupenda música de Goran Bregovic. Olha, realmente me faltam palavras para descrever o quanto esta trilha sonora é especial pra mim. Eu comprei o disco a duras penas em 96 (era carissimo, eu era estudante e vivia duro) e perdi ele quando me roubaram um carro em 98. Anos depois achei e comprei de novo. Já o filme é absolutamente impossível de encontrar em DVD no Brasil. Quem ainda tem aparelho videocassete pode locar a única cópia que conheço, em VHS, na Espaço Vídeo. Aproveitei a minha ida pra Londres há pouco para encomendar o DVD através da Rosana, junto com Overpowered, o novo disco da Róisin Murphy, em cujo inviolado lacre estou faminto para deitar minhas imundas falanges. Me refiro ao disco, não à artista, cujo lacre já deixou de ser inviolado faz muito tempo. Não que eu não desejasse deitar minhas falanges ali também, para ser honesto. Mas estou digredindo: isso é outra história.


De volta ao Bregovic, estava numa Fnac no Porto com a Micha e o Nuno quando esses olhos que a terra há de comer caíram sobre um CD com o seguinte título: Goran Bregovic - Karmen, with a Happy Ending. Comprei na hora. Bastou ouvir pela primeira vez para concluir: o bósnio louco conseguiu de novo! É um grande disco, uma brincadeira divertida, linda e sensível com a temática da famosa ópera Carmen de Bizet (não confundir com o Karma de Bizet da Matilda Kovak). Recomendo, mas só para quem quer um alívio das fórmulas tradicionais, naturalmente. Para desintoxicar de tanto rock não é preciso um xote-chamegá, só... música dos Balcãs! Compre o disco, meu filho, e desenrock-se. Desintoxique-se desse apocalipse.


Por ora era Wilson. Vou dar uma atenção pro Farouk que está aqui do meu lado miando e ameaçando comer o cabo do carregador do celular. Ne Siam Kurve Tuke... Ne, Ne, Ne! Sijam Prostitutke!

Garimpo paulistano

Essa semana estive em São Paulo e aproveitei para dar conhecer a nova Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Realmente é uma loja imensa. Honestamente me dá a impressão de ter mais acervo do que a Waterstone's Piccadilly em Londres, que é a maior livraria da Europa. Mas isso deve ser pura loucura da minha cabeça.

Resultados do garimpo:

- Animal Crackers (DVD): filme dos Irmãos Marx de 1930, horrendamente traduzido como "Os Galhofeiros". Ok, esse é fácil de achar e até que não estava barato, mas bateu vontade de ouvir o "hino" do Groucho: "Hoorray for Capt. Spaulding, the african explorer..."


- A Dupla Vida de Véronique (DVD): clássico essencial do Kieslowski, mais de uma hora de extras, preço bom. Imperdível. A trilha do Zbigniew Preisner é uma das mais comoventes da história.

- Katia B - Espacial (CD): voz linda, repertório de primeira e arranjos impecáveis. Mas eu fiquei um pouco frustrado. O primeiro disco da Katia B foi um negócio absolutamente inovador (pelo menos eu achei). Quando ela lançou o segundo (Só Deixo Meu Coração Na Mão De Quem Pode) eu esperava que ela fosse repetir a fórmula, mas veio um disco absolutamente inusitado e lindissimo. Acho que eu estava esperando outra surpresa para o terceiro, mas basicamente é um disco nos mesmos moldes do anterior. Eu gosto muito do Vitor Ramil, mas acho que a parceria de composição com a Katia B está um pouco repetitiva, tipo a do Totonho com a Ana Carolina. - Mas... no final das contas ninguém consegue estar no seu nível máximo de desempenho o tempo todo, certo? Em geral o disco está muito bom, embora não surpreenda.


- Rodrigo Rodrigues - Fake Standards (CD): esse era o azarão e foi a grande descoberta do dia. A história foi a seguinte. As listening stations estavam pifadas e para ouvir algum CD o índio tinha que ir numa ilha habitada por mocinhas grosseiras e cercada de gente por todos os lados. Eu já tinha pagado meus pecados um par de vezes ali e decidido o que iria comprar. Eis que vejo a capa desse disco. Nunca tinha ouvido falar do Rodrigo Rodrigues (santa ignorância, Batman!), mas gostei da capa, do repertório e do preço (20 paus). Levei no escuro. O disco é divino, basicamente com versões voz/violão para standards do Jazz, com exceção de Caramel da Suzanne Vega. Olha, depois que ouvi Love Me or Leave Me na voz da Billie Holiday duvidei que alguém pudesse fazer algo mais que prestasse com essa música. Como sói ocorrer, eu estava errado. Li algumas críticas comparando a interpretação dele com a do Chet Baker, coisa que era inevitável. Mas em alguns momentos ele me lembra demais o John Pizzarelli, coisa que não li ninguém comentar. Depois descobri que o Rodrigo Rodrigues fez parte do grupo Música Ligeira com Mario Manga e Fábio Tagliaferri e faleceu em 2005, de leucemia. Foi triste descobrir que esse artista já se foi desta para melhor, mas antes de partir deixou essa pérola para nós. Para quem se interessar: http://www.dubas.com.br/catalogo.php?idioma=en&crit=ind&cod=un0097.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Sempre tem um engraçadinho

Em tempo: o melhor comentário sobre o vídeo de Hey Eugene! no youtube foi "Do I need a visa to enter into China?".

Sempre tem um mané.
(Olha quem fala.)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Hey Eugene!



I really love this song from Pink Martini. Their homonym album was released May 15, 2007. I have looked for the lyrics over the Internet for a long time, and since I haven't found it, I had to figure it out by myself. There is just a couple a words that I am simply unable to understand clearly, the name of the place where the story happens. If someone figure it out, please tell me. The song can be listened from a pretty good video at youtube.

Hey Eugene
(China Forbes)

Hey Eugene
Do you remember me?
I'm that chick you danced with two times through the Rufus Album
Friday night at that party

On avenue A
When your skinhead friend passed out for several hours on the bathroom floor
and you told me
you weren't that drunk
and that I was your favorite salsa dancer you had ever come across in New York City

Eugene, Eugene, Eugene
I say hello
Eugene,
are you there Eugene?

Hey Eugene
then we kissed
once we locked you friend into the elevator
and you entered out my number on a shoggy paper towel
and the car went down
and when we were finished making out
we noticed that your skinhead friend was gone
long gone
and you looked into my bloodshot eyes and said:
- Is it too soon if I call you Sunday?

Eugene, Eugene, Eugene
I say hello
Eugene,
are you there Eugene?

Does any of this ring a bell Eugene?

Uma rosa com outro nome

Descobri que existe uma rosa chamada "Omar Khayyam". Existe um pé de roseira dessa espécie que foi trazida da tumba do poeta em Damasco e plantada no túmulo de Edward FitzGerald. É ou não uma coisa linda? Uma rosa com outro nome... não seria a mesma coisa, pelo menos nesse caso. O The most beatiful of Roses, the Rational Rose... Quem escreveu isso? Não lembro. Malditos coreanos.

O Construtor de Tendas



Era momento quando então eu vi a rosa
eu vi a rosa como que por uma fresta
que se abriu desmoronando essa hora
e atrás da hora eu vi a rosa que não cessa

E foi então que eu senti que era o Persa
que na manhã mirou a rosa interminável
que não se acaba, não porque não pereça
mas que renasce de matéria improvável

E invejei-a então por ser tão permanente
Pois como o Persa partirei eternamente
Mas pressenti esse mistério insondável:

Do mesmo barro fomos feitos todos homens
Um homem contemplando a rosa é todos homens
E a rosa é de beleza quase insuportável

Biblioteca Pessoal: Omar Ben Ibrahim Al-Khayyám


Obra: Rubayiát


No século XI, uma época em que a civilização ocidental se encontrava fragmentada e adormecida, o oriente médio fervilhava como centro de sofisticada produção cultural e científica. Foi nessa época que nasceu em Khorassan, na Pérsia (atual Irã), Omar ben Ibrahim. Quando garoto, foi enviado para estudar o Alcorão e as tradições com o Imam Mowaffak de Nishapur. Lá travou estreita amizade com Hassán ben Sabbáh e Nizam ul Mulik, dois outros alunos brilhantes do Imam. Os três fizeram um juramento entre si: caso um deles alcançasse o sucesso, no futuro, lembraria-se dos outros e compartilharia suas graças.

Ocorreu que, já adultos, Nizam tornou-se vizir durante o sultanato de Alp Arslan, conquistador do Cáucaso. Lembrando-se da promessa feita na infância, os outros dois vieram e tiveram seus pedidos atendidos. Omar pediu apenas um rincão onde pudesse dedicar-se ao estudo e rezar pela prosperidade do vizir. Nizam dedicou-lhe uma pensão de 1200 mithkals de ouro através da qual passou a viver. Hassán pediu um alto cargo administrativo, o qual obteve. Tornou-se, mais tarde, o Velho da Montanha, o líder da Seita dos Assassinos (Hashishin) e mandou apunhalar seu benfeitor.

Com a pensão recebida do tesouro de Nishapur, Omar ben Ibrahim dedicou sua vida a obter todo tipo de conhecimento que fosse possível, tendo se especializado particularmente em Astronomia. Quando o Xá Mulik resolveu reformular o calendário, Omar foi um dos oito sábios indicados para realizar a tarefa. O resultado foi a era Jalali, utilizando um sistema de computação do tempo muito mais preciso do que o calendário Juliano, então empregado no ocidente. Seus estudos de Álgebra são famosos.

Dedicou-se ainda à poesia, tendo realizado composições de quatro versos, dos quais o primeiro, o segundo e o terceiro rimam entre si. Tratava-se de um gênero bastante comum naquela época, e eram chamadas de Rubaiyát. Adotou o Takhallus, ou nome poético, de al-Khayyám, que significa construtor de tendas, profissão que exerceu antes da pensão de Nishapur.

Omar Khayyám era ateu, mas como escreveu Borges “sabia interpretar de um modo ortodoxo as mais árduas passagens do Alcorão, porque todo homem culto é um teólogo, e para sê-lo não é indispensável a fé”.

Sete séculos depois, na Londres do XIX, as Rubaiyát de Omar Khayyám foram vertidas para a língua inglesa por Edward FitzGerald. Essa tradução foi bastante livre, ao ponto de alguns acharem que sequer podemos chamá-la tradução. FitzGerald adicionou ao texto uma cor oriental – ou melhor, a cor que a fantasia ocidental enxergou no oriente – que possivelmente não existe no texto original. Antes dessa edição (de 1859), as Rubaiyát eram uma obra importante; após essa tradução tornaram-se uma obra extraordinária. Vejamos algumas:

Reparai – mil Botões floresceram na Hora
Que nasceu o Dia – e mil jazem na Lama agora:
E esse primeiro Mês do Verão que traz a Rosa
Ainda levará Jamshid e Kaikobad embora.

Pensai nesse surrado Caranvaçarai
Por cujos Arcos Dia entra e Noite sai,
Onde Sultão após Sultão em pompa
Despende sua Hora, ou duas, e se vai.

Ah, Amada, enchei a Taça com a qual limpamos
O HOJE dos futuros Medos e passados Prantos
Amanhã? – Amanhã eu poderei trazer em mim
Ainda mais o peso de mil e setecentos anos.

O estilo pesado e floreado é de FitzGerald. Não sei ler Persa, mas dizem que o estilo de Khayyám é mais limpo e direto. Existe uma tradução para o Português de autoria de Alfredo Braga que está disponível em http://www.alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html. O resultado é tão bonito que quase conseguimos esquecer que a rima original do estilo não foi preservada. Também não entendi qual foi o texto que serviu de base para a tradução, suponho que o original. Eis alguns versos poderosos:

Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.

Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.

Escuta, isto ninguém te contou:
Quando a primeira alba clareou o mundo,
Adão já era uma criatura dolorosa,
que pedia a noite, ansiava a morte.

Deduzo também da tradução de Alfredo Braga que Omar Khayyám era um grande ébrio. Bem, o roto não pode condenar o rasgado.

Biblioteca Pessoal: Hermann Melville


Obra: Moby Dick


Moby Dick é uma novela abrumadoramente extensa, do tipo que não costumo gostar de ler. À medida que o tempo passa tenho menos paciência para rípios e me agradam gêneros mais econômicos, como o conto, o ensaio ou a poesia. Ademais, o livro está redigido em um inglês arcaico e utiliza muitos termos náuticos de época, tornando a leitura desafiadora. A única concessão existente para o conforto do leitor são os capítulos, profusos e curtos, que facilitam a retomada da leitura após uma interrupção. Nada mais chato que capítulos intermináveis, que favorecem a insônia.

As declarações acima, demasiadamente voltadas para a forma e o volume do livro, podem parecer características de um leitor preguiçoso. Na verdade pretendo justamente argumentar que esse livro em especial possui um grande valor por ser longo – seu objetivo se atinge através de um certo estilo aliado a uma considerável extensão.

Borges escreveu que Moby Dick era um livro sobre o mal, ou sobre a maneira errada de combater o mal. A mim parece que é um livro que trata eminentemente da obsessão.

A trama, já universalmente conhecida, é prosaica. O protagonista é um rapaz que deseja conhecer o mundo e tornar-se um homem. Alista-se no Pequod, um navio baleeiro, junto com seu amigo, um canibal maori. O capitão do navio, Ahab, perdeu sua perna para Moby Dick, a feroz baleia branca. Durante anos alucinatórios ele a persegue pelos mares do mundo, sem nunca tocar a terra. O capitão está insano e sua loucura contagia os marinheiros, que perseguem o leviatã com profunda virulência. Navegamos durante horas e horas por essa longa narrativa feita de minúcias sem que nada aconteça, até que pressentimos, assim como o marujo pressente a semente da tempestade na mais bochornosa das calmarias, o horrível e vertiginoso confronto final, que conclui a estranha telemaquia do narrador.

Essa trama simples, que pode ser resumida em um parágrafo, não possui maior eficácia se redigida de modo convencional. Mas Melville não obrou assim. Freqüentemente, se um autor quer falar de um tema ele fala desse tema. Melville para falar sobre a obsessão não falou sobre a obsessão, e sim um de seus possíveis objetos: a baleia. Temos uma sensação de estranheza já ao abrir o livro: ao invés de uma epígrafe, temos dezenas de páginas de epígrafes, todas elas frases sobre baleias retiradas das mais diversas fontes: manuais náuticos, zoografias gregas, os evangelhos. Após a narrativa breve do engajamento de Ishmel no Pequod e das reais intenções de Ahab, Melville nos mergulha num oceano de baleias: conhecemos as diversas espécies, sua taxonomia, a literatura disponível sobre o tema, seus hábitos de deslocamento, alimentação, acasalamento, seus órgãos internos, seu valor comercial, as formas de sua captura, de seu recolhimento, sobre como a baleia é desmembrada e o destino de suas diferentes partes, sobre a organização de um baleeiro, sua hierarquia e distribuição física, sobre os diferentes arpões e sua forma de manejo, sobre a estrutura dos barcos de caça e seus equipamentos, sobre os olhos da baleia. Quando percebemos estamos tão obcecados e monomaníacos como Ahab. Nessa altura, depois de umas quinhentas páginas, já estamos prontos para a grande baleia branca. Eis como um livro desprovido de trama pode ser tão absorvente, e os rípios se tornam não um adorno, mas a própria ossatura da narrativa.

Existe uma imagem em um dado momento da narrativa que para mim é tão forte que até hoje me arrepia a nuca quando a imagino. No capítulo 96, “The Try-Works”, Melville descreve o aparato gigantesco utilizado para ferver as partes de baleia das quais é retirado o óleo combustível. O próprio óleo da baleia é utilizado para alimentar o fogo dessa fervura, de maneira que o corpo da baleia é utilizado para consumir a própria baleia. A passagem à qual me refiro ocorre numa noite, após a captura bem-sucedida de uma baleia, enquanto os marinheiros – maoris, chineses, índios, negros, irlandeses - enlouquecidos e embriagados assistem ao desmembramento e fervura do animal, enquanto as línguas de fogo avermelham por quilômetros solitários o mar escuro:

“Suas feições morenas, agora totalmente imundas de fumaça e suor, suas barbas rudes e a contrastante alvura barbárica de seus dentes, todos estranhamente revelados pelas flamas dos fornos. Enquanto narravam um ao outro suas aventuras profanas, seus contos de terror relatados com palavras vulgares; enquanto sua gargalhada malcriada emanava de seu semblante, como chamas da fornalha; enquanto, de um lado para o outro, em sua frente, os arponeiros gesticulavam selvagemente com seus imensos garfos pontudos, e suas conchas; enquanto o vento uivava, e o mar se contorcia, e o navio gemia e mergulhava, e ainda assim espalhava firmemente sua vermelhidão infernal além e além na negrura do mar e da noite, e jocosamente mordia a mandíbula branca em sua boca, e sinistramente cuspia em seus flancos; e então o agitado Pequod, lotado de selvagens, e coberto pelo fogo, e queimando um cadáver, e encharcado pelo negrume da escuridão, parecia a contraparte material da alma monomaníaca do seu comandante.”



Moby Dick foi editado pela primeira vez em 1851 nos Estados Unidos, tendo se tornado um dos maiores clássicos da literatura em língua inglesa. Dentre a rica obra de Hermann Melville recomendo também a leitura de “Bartleby, o Escriturário”, cujo tema prefigura de certa maneira a obra de Kafka.

Biblioteca Pessoal: Thomas S. Kuhn


Obra: A Estrutura das Revoluções Científicas

Este livro do Dr. Kuhn foi uma das poucas leituras que descobri na faculdade e que me acompanharam depois. Tive de comprá-lo várias vezes, pois aparentemente é um livro muito cobiçado pelos leitores de livros emprestados. Trata-se um livro de teoria da história da ciência, e devo a esse livro o fascínio que possuo pelo tema. Seu principal objetivo é demolir a idéia - bastante arraigada até hoje - de que a construção do conhecimento científico é um processo contínuo e cumulativo.

Segundo Thomas Kuhn, a pesquisa científica em um determinado campo do conhecimento intercala dois tipos de períodos: períodos normais, no quais a ciência é orientada por um determinado paradigma, e períodos revolucionários, nos quais novos paradigmas são forjados solapando os anteriores. A palavra paradigma, que deve muito de sua popularidade a esse simpático livrinho, descreve um sistema conceitual totalizante, que elenca os problemas, definições, explicações, métodos e ferramentas que são aceitáveis para a pesquisa científica em um determinado campo. Um paradigma é - como os "sistemas de verdade" de Paul Veyne - uma camisa de força que constrange a visão que se tem de uma determinada porção desse sistema extremamente complexo que chamamos de universo (embora os otimistas também o chamem "cosmos"). Durante os períodos de pesquisa normal, a prática científica visa essencialmente provar e refinar o paradigma; e nesse processo não há nenhum problema em se ignorar solenemente os desvios que não podem ser reduzidos ao aparato paradigmático. Entretanto, esses desvios - que Kuhn chama de "anomalias" - são persistentes e proliferam, contra a vontade dos pesquisadores, até gerarem uma situação de crise no paradigma. É nesse momento que começa a revolução científica, que com o tempo costuma desaguar em um novo paradigma. Um novo paradigma é uma nova Weltaschaaung (uma nova visão de mundo, para usar um termo muito em voga durante minha passagem pela academia e que não é, para nossa graça, usado no livro). O novo paradigma não complementa o anterior, ele o aleija, na melhor das hipóteses, e o mata, na maioria das vezes.

Um exemplo disso é a astronomia ptolomaica, geocêntrica, que foi utilizada por centenas de anos para predizer com sucesso os movimentos planetários. Entretanto, uma série de anomalias vinculadas à predição dos equinócios levaram a tantas adaptações e remendos no modelo original que quando Copérnico propôs o modelo heliocêntrico o legado de Ptolomeu já se havia transformado, nas palavras da época, em "um monstro". Por que razão o modelo heliocêntrico não foi aceito até Copérnico? Porque não havia sido imaginado, talvez? Não. Aristarco havia levantado essa hipótese ainda no século III a.C., dezoito séculos antes. Entretanto, só no século XV haviam sido identificadas suficientes anomalias para justificar uma crise no paradigma. A ciência é ciência porque, entre outras coisas, é totalizante e conservadora. A partir daqui podemos tocar em um ponto fundamental, a noção (equivocada) de que a ciência é sempre um processo de acumulação de conhecimento. Todos os ajustes realizados nos séculos precedentes para tornar o modelo geocêntrico mais preciso são utilizados até hoje? Não, naturalmente. A mudança de paradigma não realizou uma simples adição de novos conhecimentos à ciência; ela mudou de forma tão radical o relacionamento entre os conceitos manejados da astronomia de então que a maioria dos conhecimentos acumulados anteriormente se tornou pura e simplesmente inútil. Isso tornou seu estudo sem sentido? Não, pois sem esse estudo não teria existido massa crítica para o novo paradigma. A pesquisa tem sentido mesmo quando está errada, ela apenas não é contínua nem cumulativa. Claro que se pensarmos um pouco sobre as conseqüências disso chegaremos brevemente à conclusão de que a ciência sempre está errada...
Essa concepção do avanço da ciência me faz relembrar uma das leis da dialética de Hegel, a lei da transformação da quantidade em qualidade. Hegel dizia que a evolução do pensamento ocorre de forma cumulativa e, entretanto, as grandes conclusões ocorrem de modo súbito. Isso é possível porque é necessária acumulação de idéias - quantidade - para possibilitar o surgimento de massa crítica para que ocorra um grande salto conclusivo - qualidade. Nada de novo há sob o céu, disse o Eclesiastes.

Dito isso, vamos ao que realmente interessa. Possivelmente as mais gratas lembranças que tenho desse livro são os exemplos fornecidos, às vezes quase anedóticos, freqüentemente fantásticos. A imaginação humana é tão vasta que podemos encontrar até mesmo num árido livro de teoria as fantasias mais selvagens: o baralho que era um instrumento para perder os homens num labirinto mental, feito de classificações não-ortogonais; a narrativa de como Lavoisier inventou o oxigênio; o conto de Afonso X, que deu conselhos a Deus sobre como criar o universo; nessas mil e uma noites da ciência encontram-se essas dentre outras histórias que mereceriam figurar numa biblioteca de literatura fantástica, ao lado do Gilgamesh, do Silmarillion e do Pentateuco.
Thomas Samuel Kuhn formou-se físico teórico. Uma carreira tortuosa levou-o ao estudo da história da ciência, campo que seria profundamente transformado por esse agradável ensaio, publicado em 1962 e enriquecido com um posfácio em 1969.

Cabala


A vida é uma madrugada
e o mundo uma biblioteca
Sei que há na selva da palavra
uma palavra exata que é a certa
e que não sei qual é.

Busco na penumbra sem cessar
a palavra que é secreta
a palavra a palavra
que liberta
que encerra
na palavra a verdade
que atravessa.

― Mas se o acaso me deparar
com uma palavra incorreta?
Uma palavra que me impeça
que me meça
que me torne uma peça
de um jogo inútil que não cessa?

Nota à trilogia "Três Cores" de Krzysztof Kieslowski

Foucault escreveu, em Marx, Freud, Nietszche, que a atividade crítica contemporânea se caracterizaria por uma forma específica de interpretação, que consistiria em des-cifrar os textos, procurando-lhes um sentido que se encontra oculto. Essa idéia também foi apresentada por Susan Sontag em um ensaio (Contra a Interpretação) que se dedica a combatê-la. Segundo esses autores, interpretar seria encontrar sob o conteúdo manifesto de um texto o seu conteúdo latente, ou seja, diante de X, que é uma aparência, devemos procurar Y, que é seu verdadeiro sentido, sentido que está escondido, enterrado, sob o texto.

Sem julgar o valor dessa forma de interpretação, parece-me inegável que atualmente essa é uma forma bastante comum de relacionar-se com obras de arte. Parece-me igualmente inegável que certas obras são construídas a partir da ciência prévia de que serão assim interpretadas, e feitas para reagir de formas específicas a essa sorte de interpretação. Esta nota tenciona sugerir que a trilogia “Três Cores”, de Krzysztof Kieslowski, pode encontrar-se entre estas.

Compõem a trilogia os filmes A Liberdade é Azul (Bleu, 1992), A Igualdade é Branca (Blanc, 1993) e A Fraternidade é Vermelha (Rouge, 1993) (*). O argumento consiste em três estórias episódicas que interpermeiam-se. Os filmes foram construídos de maneira a comportarem diversos cruzamentos entre si, sendo uns de natureza seqüencial (para entendermos o acontecimento X do filme A temos de ter conhecimento do acontecimento Y do filme B), e outros de natureza analógica (o mesmo acontecimento ocorre de maneira ligeiramente diferente em mais de um filme).

Tenho conhecimento de três ensaios que buscam encontrar um nexo explicativo para os filmes: Krzysztof Kieslowski's Three Colours Trilogy, de Gerard Sampaio, Kieslowski’s Three Colours Trilogy, de Antigone Sdrolia e St. Paul, Kieslowski, and the Christian Framework of “Trois Couleurs”, de Carla Barringer Rabinowitz. Nesses textos as delicadas coincidências de Kieslowski são consideradas veículo de conteúdos tão distintos e vastos quanto os valores da Revolução Francesa, a dialética Hegeliana e a Santíssima Trindade. O curioso é que cada ensaio reivindica ter encontrado o sentido “verdadeiro” por trás dos filmes, ou seja, o sentido originalmente pretendido pelo diretor ao realizá-lo. Esses ensaios podem ser encontrados em http://www.petey.com/kk. Deixo ao leitor a diversão de destrinchar esses textos que enxergam a obra como alegoria de uma verdadeira selva de significados distintos.

Qual é, afinal, a chave para a leitura para os jogos de relações e referências da trilogia de Kieslowski? Podemos aceitar a hipótese de haja mais de uma. Existem figuras de linguagem que designam o uso da ambigüidade com fins estéticos (a ironia e a antanáclase, por exemplo), e a polissemia é uma operação artística conhecida. Podemos também lembrar que há uma infindável discussão que tenta delimitar os diferentes graus de influência do autor e do leitor na construção de uma obra de arte.

Mesmo ciente dos argumentos em contrário, cederei à tentação interpretativa de agregar mais uma nota à obra de arte em si. Minha hipótese é que a trilogia foi concebida de maneira a apenas sugerir um sentido oculto, sem que este necessariamente exista. Invoco como argumento a trama do filme A Fraternidade é Vermelha, que não por acaso é o último da série. Este filme mostra a perfeita analogia das vidas de dois homens com uma diferença de idade de vinte e cinco anos, o juiz Joseph Kern e o aspirante a juiz Auguste. Os acontecimentos da vida do primeiro tornam a ocorrer, de forma angustiantemente semelhante, na vida do segundo. O filme passa a maior parte do tempo preparando-nos para a resolução desta uma trama sobrenatural. Entretanto, nenhuma solução é oferecida. Julgo que o ápice do filme é quando Valentine, a protagonista, pergunta ao juiz Kern “De que maneira podemos ajudarmo-nos uns aos outros?” e ele responde “Não podemos. Nós só podemos ser”. O juiz Kern, um homem de tal forma obcecado pelo íntimo e pelo oculto que grava sistematicamente as conversas telefônicas de seus vizinhos, sabe apenas que é impossível chegar às causas e significados últimos das ações. Não me parece gratuito que Kieslowski dê a esse personagem o nome de Joseph Kern. A palavra alemã Kern equivale à inglesa core: núcleo, centro, caroço. Joseph K. é o nome do protagonista de O Processo, de Franz Kafka, autor que tinha na gratuidade e na carência de sentido os principais temas de sua literatura.

Supondo que minha hipótese esteja correta, e que a trilogia “Três Cores” apenas finja ter um sentido oculto, seria um maneira muito sofisticada de utilizar uma operação estética (cifrar um sentido oculto sob o texto aparente) de forma a combatê-la (reiterando que não há sentidos ocultos ou que não se encontram tão facilmente acessíveis). Se isso for verdade, não será necessariamente original: é precisamente a trama de The Figure in the Carpet, conto de Henry James. Me atrevo a supor que Kieslowski foi além de uma vindicação estética, chegando a uma de ordem metafísica. Kieslowski se insere num confronto antigo entre aqueles que julgam a existência insuportável sem um sentido teleológico que a justifique e aqueles que prescindem deste sentido para viver. O Hugh Vereker de Henry James escreveu um livro que apenas fingia ter sentido. Os personagens de Kieslowski vivem uma vida que apenas parece ter sentido. Jorge Luis Borges escreveu certa vez que não julgava possível que o mundo tivesse um sentido, que dirá dois ou três. Desconheço se Kieslowski era leitor de Borges, mas sei que A Dupla Vida de Véronique (La Doble Vie de Véronique, 1991) é o filme mais “borgesiano” que conheço.

(*) perceba-se que a lamentável tradução dos títulos para o português já incita à alegorização.

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Multiply foi furada. MySpaces foi furada. Vamos ver se esse diabo de google me dá sorte. Pra começar vou repostar os textos antigos que prestam (supondo que eu ache algum). Como se alguém precisasse deles.