terça-feira, 20 de novembro de 2007

Música Estranha - Rósin Murphy "Ruby Blue"

Depois que a Róisin Murphy e o Mark Brydon se separaram e o Moloko acabou, em 2003, fiquei órfão.

Logo depois, em 2005, a Róisin Murphy gravou em carreira solo essa PÉROLA do Ruby Blue (eu sei que o título já é um oxímoro, mas não resisti em piorar a situação).

Metade desse disco é a Róisin. Mulher inteligente e sensual, de letras delirantes e presença marcante, ela é antes de tudo uma cantora impecável e extremamente versátil. Parece umas dez mulheres diferentes cantando, e todas maravilhosas.

A outra metade é o Matthew Herbert, que eu não conhecia até então. Inusitado e criativo são palavras tímidas para descrevê-lo. O bandido não utiliza timbres disponíveis de antemão, criando tudo do zero para cada música que produz. O seu manifesto PCCOM (http://www.magicandaccident.com/_MH/pccom.php) descreve com precisão as idéias malucas e brilhantes por trás de seu trabalho. Sua noção rítmica e melódica invertebrada o coloca facilmente do lado de um Tom Zé ou Arrigo Barnabé (e olha que isso não é pouca coisa).

Ornando a suntuosa voz de Róisin Murphy e as intrincadas texturas eletrônicas de Matthew Herbert encontra-se um naipe de sopros completo, que encaixa-se tão bem que parece ter sido inventado para isso.

Segue minhas impressões, faixa por faixa:

1. Leaving the City
A estranheza musical aqui fica por conta da alternância entre texturas desprovidas de freqüências graves e texturas desprovidas de freqüências agudas. A letra é singela, mas qualquer um que passou muito tempo viajando a trabalho é profundamente tocada por ela, não interessando se se trata de um músico ou de um consultor de TI.

2. Sinking Feeling
Aqui Róisin parece um punhado de mulheres diferentes cantando. A letra é cheia de imagens bizarras que parecem saídas de um sonho recém sonhado. A metáfora central da depressão como areia movediça ganha vida nos timbres exóticos criados por Herbert, que parece ter aderido ao princípio #1 de seu PCCOM Turbo Extreme: "Once the subject of the track is established, only sounds directly related to that topic may be used. For example: if the track is about coffee, only sounds made by coffee farmers and their relatives; cups and spoons; milk; colombia etc, may be included."

3. Night of the Dancing Flame
Quando eu cheguei pela primeira vez nessa faixa tomei um susto, pois é aqui que o disco realmente pega fogo. Os trumpetes com surdina à la Vaudeville são inundados por um cardume de sons que parece ter saído de uma usina siderúrgica, um hipnótico baixo pizzicato faz o pé bater involuntariamente e a letra deslinda uma autêntica visão dionisíaca. Música e poesia aqui se juntam dissolvendo as fronteiras entre o orgânico e o metálico, o claro e o escuro, o fogo e o mar profundo.

4. Through Time
Sorry, mas não tenho muita coisa simpática pra dizer dessa faixa. Acho meramente sofrível. Na verdade sempre que o disco chega aqui eu pulo. Quer dizer, pulo a faixa. Vocês entenderam. Mas quem anda de carro comigo sabe que de qualquer maneira dificilmente eu chego no final das músicas (já ouvi muita gracinha por conta dessa).

5. Sow Into You
Música pulsante que dá vida às imagens de fecundação da letra. O clipe é sem dúvida o melhor da Róisin Murphy, que como mulher-inseto termina de polinizar a canção. Momento magnífico do disco.

6. Dear Diary
A introdução é um curso sobre como programar uma bateria eletrônica. A letra corre o risco de desbancar "Ask" dos Smiths como hino dos tímidos.

7. If We're In Love
Teve um dos piores clipes da história, mas é irresistivelmente pop. O refrão gruda de primeira, tipo "Round & Round" do New Order. I we're in love we should make love... when will that be?

8. Ramalama (Bang Bang)
Edição do novo milênio para "Fun for Me". Teria feito furor no meio cultural de Tristan Tzara & cia.

9. Ruby Blue
ISSO é uma guitarra distorcida. Graças a Deus o rock passou longe. Aliás, foi o que disse essa gente: http://www.factmagazine.co.uk/da/64007, embora eles me dêem a impressão de ter ouvido apenas os hits #1 do Moloko.

10. Off On It
Gente, essa música é uma VALSA. Eu demorei a me dar conta, mas aquele resfolegar da Róisin marca o compasso ternário: 1, 2, 3... 1, 2, 3... Dilíça.

11. Prelude to Love in the Making
Esse disco não saiu no Brasil. Eu tive que mandar importar (thanks, Pati & Adri). Saiu CARO. Tudo que é comprado na Inglaterra é CARO. Sério. Mais de cem paus. E essa faixa veio BICHADA. Nunca consegui escutar. Todo corno é azarado.

12. The Closing of the Doors
Musicalmente sofrível, mas a letra parece um adeus sincero e sentido a Mark Brydon. Mas isso é interpretação minha. A canção não chega a ser completamente ruim, mas não é o melhor momento do disco.

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